Monday, April 16, 2007

UM MANTO UNIVERSAL
Cristina Azevedo Tavares
Por circunstâncias várias e que agora não vêm ao caso, escrevi sobre a pintura de Luís Geraldes já há muito tempo em 1992, quando este mostrava as suas obras numa galeria do Chiado. Desconhecia por completo quem era, mas a sua obra de forte colorido e com alguma inclinação pela expressão primitiva - que entretanto pude identificar com alguma arte africana e aborígene, e reconfirmar pelas passagens do autor por Angola para onde foi viver com quatro anos e donde regressou a Portugal em 1975 e Austrália, país onde vive e trabalha desde 1985, chamou-me particularmente atenção.
Na altura surgiu-me como uma obra diferente do que se praticava na Europa, e especificamente entre nós, portugueses, onde a discussão em torno do pós-moder-nismo, as propostas minimalistas e as neo-conceptuais eram as mais pertinentes. A organização das composições plásticas, o sentido feérico da cor, a utilização de elementos simbólicos de inspiração ancestral de diversa proveniência salientavam uma dominante expressiva que tanto se podia radicar nas correntes da arte bruta e nos informalismos mais variados. Ao mesmo tempo percebia-se a necessidade do pintor em desenvolver uma mediação equilibrada entre a construção das pinturas e os desígnios de uma liberdade formal e cromática plenamente conseguida, que ainda se encontrava numa fase de maturação.
Posteriormente Geraldes apresentou-se várias vezes em Portugal em espaços diferentes e mais recentemente realizou uma grande escultura em ferro: metade pássaro e a outra metade figura humana, com uma meia lua em cima da cabeça, intitulada “Gaivota”, símbolo da região algarvia e que se encontra integrada no Museu de Escultura ao Ar Livre, e exposta no Campo de Golfe de Vila Sol.
Se a escultura em termos de representação da figuração se identifica claramente com a pintura, como aliás podemos constatar na presente mostra, sugerindo-nos protagonistas construídos em madeira e pintados que ganham vida, saem dos quadros e corporizam volume, é ainda de salientar também uma outra obra realizada em cerâmica que foi levantada em 2003 na Austrália, e cuja linguagem se desenvolve em plena articulação com a restante.
Trata-se de um grande mural com cerca de 30 metros de comprimento e três metros de altura, colocado em Sydney numa rua do bairro português de Petersham. Este mural cerâmico constituído por cerca de oito mil azulejos levou um ano de trabalho a ser concretizado, e sinteticamente podemos dizer que evoca a história do universo desde o big bang e a aventura da humanidade através da história até aos dias de hoje.
É um pouco dessa memória trabalhada, que Geraldes tem apresentado fragmentariamente nas suas exposições. Fragmentária porque por vezes encarna ciclos, séries, ou desejos de uma representação do espaço, do tempo e da história do universo e da humanidade cruzada pelos diferentes modos de fazer.
Particularmente nesta exposição na Arqué essa articulação até mesmo com o mural de Sydney pode ser explorada nas telas de maiores dimensões intituladas “Transient images, fragility of the divine”, “Bristling energy” e “Man is contained in the universe and the universe is contained in man”. Os nomes reenviam-nos para os temas que Geraldes tem trabalhado e investigado desde sempre como a relação entre o mundo material e o mundo espiritual, entre a ciência e a arte, entre o microcosmos e o macrocosmos, a identificação dos cinco elementos, a divisão da tela em cinco partes, a passagem da energia e o binómio espaço e tempo. Independentemente da identificação de alguns símbolos como o ovo cósmico, a mandala, o D.N.A., o átomo ou a divisão celular, estas obras laboram um imaginário latente, uma espécie de magma que representa o “inconsciente colectivo” que Jung referiu nos seus textos.
Nesses quadros grandes assim como noutros, o pintor acede a mecanismos de produção semi-automática, onde o controle da lógica do quotidiano é enfraquecido, para dar lugar a uma expressão, mais livre e próxima das forças vitais que habitam em nós, e que estranhamente ou não, nos ligam ao restante universo simultaneamente energia e matéria. Colocando as telas sobre a terra e atirando tinta sobre o suporte, um pouco à maneira do processo de dripping utilizado por Pollock, Geraldes imprime ritmo e decifra formas. Será o mero acaso responsável pelo resultado, que já na renascença fazia cuidar Leonardo Da Vinci?
Na realidade é também o fazer do pintor, o trazer à tona aquilo que estava soterrado. Assim as pinturas podem associar águas e montanhas aos nus femininos, ou a animais imaginários, podem restabelecer a respiração entre a terra e o céu e fecundar o ovo cósmico mais uma vez reabilitando uma visão espiritualista e não somente esotérica, como se tem dito acerca da obra de Luís Geraldes.
Muitas das obras que apresentam figuras deslocam-se no sentido da representação da máscara como em “At the edge” ou “Floating existence” num magma de azuis e verdes”, ou inspiram leituras mais complexas em “Fragments of life”, ou “Fragments of a dream” onde o pássaro surge, identificado noutras telas como o pássaro do paraíso. A alquimia está igualmente presente “Show me the way”, “In search of a lost legacy”, mas as figuras recortadas com cabeça de pássaro e corpo multicolor como em “Called to prayer” indicam um registo ancestral que passa pelos rituais mágicos, pelas máscaras utilizadas pelos xamanes e que recortam essa memórias dos tempos de Angola agora cruzada nas vivências mais recentes do continente australiano.
Assim Geraldes pôde elaborar uma linguagem modelada no neo-expressionismo articulando o poder sintético e simbólico da representação nas culturas ancestrais, com a economia da B.D. e o poder comunicativo dos grafitos, além de estar próximo de outros artistas actuais, inclusive australianos. Ao longo do tempo houve sempre artistas plásticos que exploraram as vias especulativas da teosofia à escatologia. E de facto existe uma história para ser recordada desde a antiquíssima procura do rectângulo de ouro nas geometrias sagradas, até à representação da perfeição, que o painel “Começar” de Almada Negreiros nos dá também conta.
Do caos à ordem, do inferno aos céus, ou o inverso, a descida abissal e a vertigem do oculto, tudo isto pode ser percebido na pintura de Luís Geraldes, mas esta permanecerá como um manto de magma donde tudo provém e onde tudo retorna, dos laranjas e vermelhos tórridos que não se apagam jamais, e que vibram com os verdes das águas e o azul profundo do infinito.

Lisboa Portugal
Cristina Azevedo Tavares
Feature Writing - Profile
Luis Geraldes,
By Marija Fletcher, Sidney Journalist
The sound weaving its way down the phone line is imbued with warm and vibrant tones: “That’s one of the good things about art – everyone sees different stuff”. If translated to colour on canvas, the voice of Luis Geraldes would be painted with bright splashes of orange and yellow.
Luis Geraldes is a Portuguese-Australian artist based in Gippsland, Victoria. In March of this year, Geraldes assembled over 5,000 tiles he had created using traditional Portuguese tilling techniques, and transformed what was once a cement and asphalt landscape into living colour, with intricate patterns and symbols.
Geraldes was commissioned by Marrickville Council to create a mural in Audley Street, Petersham, as part of a street‑scaping project.
I asked Luis why Marrickville Council had chosen him to create the mural: “I think it’s to do with my background. Actually, the time they contacted me I was overseas, and I said ‘look, you’ve just contacted me in Portugal, it’s 3 o’clock in the morning for God’s sake! What’s going on?’” [He laughs], “‘Oh’, he said, ‘ok then I’ll get in touch with you later’.”
Fortunately they did, and Petersham now has a bright band of colour on Audley Street entitled Fragile World in Constant Expansion. Geraldes expanded on the title of the mural: “The idea of that is that we are, in fact, a very fragile planet and a fragile cosmos and a fragile universe – or groups of universes – and, accepting the scientific views on cosmic development, we are in constant evolution. From the big bang to the eventual big crunch. … I really love the work, I mean I put one year of my life into that work and it’s so rich, so symbolic, so strong.”
The Audley Street mural stands over ten feet high. Its yellow background illuminates the Portuguese cultural symbols that seem to call out to the passer-by. The mural narrates the evolution of the universe in a way that has an almost hypnotic affect on the viewer. Geraldes: “My work deals with the spiritual in art. It deals with the hidden order behind the subject matter. The amalgamation of colours and symbols and shapes that I use in my paintings create this sort of magnetic field and magnetic power that when people look at them they get grabbed into that.”
Luis Geraldes was born in Portugal in 1957. He immigrated to Australia in 1985 and became an Australian citizen in 1987. He has collections all over the world, including Canada, Portugal, France, Germany, Spain, Israel and the USA.
Geraldes explained why he chose to settle in Australia: “Australia in Europe is sort of this paradisiac, sort of a dream that everyone dreams about. It’s seen as one of the lost worlds, away from everything, and I had this fascination about that idea and just went to the Australian embassy and applied. They said ‘look you’ve got 30 days to take it or leave it’. I didn’t really have time to think about it. I just, ‘yeah, well, why not, let’s go’. … It’s a beautiful country. No war, plenty of land, very spacious, a beautiful landscape and magic. This country is a magic place.”
I asked Geraldes what he meant by Australia being a “magic place”: “There is something special about Australian land that makes it very ‘magic’ or spiritual. Perhaps the extension, the horizon, being so old, its features of the landscape and most of all its relationship with the Aborigines, being such an old culture. Whatever it is, I feel the air is special and magic around certain areas of the country.”
Irrespective of what it is that drew Luis Geraldes here, his presence is testament to our good fortune at the rich cultural diversity and artistic expression that nourishes Australian soil.
Marija Fletcher
Journalist